Nasci em um rancho. Lugar deserto, vida dura.
Meninos e meninas faziam de tudo. Laçávamos cavalos selvagens, domava-os e papai os vendia.
Todos cozinhavam, cada um lavava suas roupas e as cosiam também. Eram muitas meninas e poucos meninos e não podíamos nos dar ao luxo de estipular obrigações por sexos. Éramos em doze irmãos. Oito mulheres e quatro meninos.
Mary, a irmã mais velha, tinha vinte anos e ainda era solteira. Meu pai, Charles, resistia em casá-la, pois ela era a melhor domadora de cavalos da região.
Nosso caçula, Joel, com quatro anos, tinha medo dos cavalos. Esse fato aborrecia meu pai. Todos os outros gostavam de montar desde bebês.
Nossos irmãos homens eram mimados por nós, as meninas.
John com dezesseis anos acompanhava Mary e estava quase se igualando a ela.
William tinha treze anos e era ótimo em laçar os cavalos e os direcionar até o curral e prendê-lo.
Benjamim, com nove anos, tentava acompanhar William, mas não tinha força suficiente para manter um garanhão no laço. Pegava éguas e potros menores.
As irmãs os incentivavam e aplaudiam suas façanhas.
Eu tinha 11 anos, meu nome era Callie, e adorava minha família. Capturar cavalos selvagens era uma diversão para mim. Torcia pelos meus irmãos e festejava com eles. Eu só conseguia laçar potrinhos e era muito elogiada por meu pai.
Minha mãe, Olívia, teria o décimo terceiro filho e não andava disposta.
Eu e Sara, minha irmã de doze anos, fomos chamadas por meu pai, Charles, que nos responsabilizou para ficarmos com mamãe.
― O que devemos fazer? ― perguntei.
― Ela dirá. Não a deixem se levantar. Levem comida e água para ela. Estarei ajudando seus irmãos na captura de cavalos. Chegará mais um bebê e precisamos de mais um quarto. Trocarei alguns cavalos por material de construção. Se precisarem de mim, sabem onde me encontrar. Cuidem de seus irmãos menores.
Minha mãe estava sentada na cadeira de balanço, e inquieta.
― Mamãe, quer ir para a cama?
― Quero. Segurem a cadeira para mim.
Mamãe se levantou e lentamente foi para o quarto e com muita dificuldade se sentou.
― Mamãe, o bebê está nascendo?
― Não, querida. Ainda é muito cedo. Ele só nascerá daqui e cinco meses.
Colocamos vários travesseiros e almofadas e ela se recostou.
― Dormirei um pouco. Olhem Joel, ele está gripado. Deem suco para ele e o façam dormir um pouco. Vejam se não está febril.
Deixei mamãe com Sara e fui atrás de Joel. Ele brincava, correndo atrás de uma bola. Joguei bola com ele. Fiz um suco, bebemos e o levei para o quarto dele e ele adormeceu. Dormi também e sonhei: vi mamãe pegando um bebê, enrolado numa manta azul e ir embora por uma estrada. Corri atrás dela e não consegui alcançá-la e a estrada sumiu.
Acordei suando e assustada. Deixei Joel dormindo e fui para o quarto de mamãe e ela dormia.
― Mamãe! Mamãe! Você está bem?
― Deixe ela dormir, Callie. Agora que ela parou de gemer.
― Corre! Chame o papai, mamãe não quer acordar e está sangrando. Olha quanto sangue, você não viu isso?
Sara olhou com horror o sangue, escorrendo nos lençóis, e saiu correndo.
Meu pai chegou e correu para o quarto.
Mary e John haviam ido buscar o médico da região.
― Esquentem água. Deixem tudo preparado, para quando o médico chegar, sua mãe perdeu o bebê.
― Ela carregou o bebê e seguiu por uma estrada. Corri atrás dela, mas ela não me ouviu e a estrada não me deixou continuar, desapareceu. Acordei e vim chamá-la, mas ela não me ouve. ― chorei.
― Ela está viva, minha filha.
O médico chegou. Mamãe foi atendida. A hemorragia não estancou e ela partiu.
Foram dias muito triste. A casa sem mamãe era vazia. Meu pai estava quieto e alheio.
Mary assumiu o comando e continuou a rotina.
O tempo passou, Joel se recusava a montar. Papai desistiu de tentar convencê-lo.
Mary se casou e foi ser nossa vizinha.
John assumiu o comando do rancho. Meu pai havia perdido a vontade de viver. Diariamente ele ia ao túmulo de minha mãe, levava flores e conversava com ela.
Uma tarde, começou a chover muito e meu pai não chegava. Sentei-me em frente a lareira e adormeci. Vi minha mãe dando a mão para meu pai e foram por uma estrada. Corri atrás dela e gritei:
― Não leve meu pai!
Eles não me ouviram e continuaram. A estrada desapareceu. Acordei e chorei.
― Por que está chorando, Callie? ― perguntou William.
― Papai foi embora com a mamãe. Temos que encontrá-lo.
― Ele deve estar rezando no túmulo da mamãe. Vou buscá-lo. ― falou Benjamim.
― Leve uma carroça. Ele é pesado. ― falei.
Papai foi enterrado ao lado de mamãe.
Meus irmãos me perguntaram se eu sempre sonhava com quem ia morrer.
― Não. Sonhei com mamãe e papai e não quero nunca mais sonhar com a morte.
Nunca mais sonhei, mas sempre me perguntava: e se eu tivesse alcançado mamãe, o que teria acontecido? Por que ela não me ouvia? Para onde ia aquela estrada? De onde vinha aquela estrada?
Essa foi a vida do meu despertar.
FIM
Obrigada Isaurina.