Na colonização da América, eu fui um dos milhares de escravos tirados de suas famílias e trazidos para essa terra. Fomos explorados, humilhados, torturados física e emocionalmente.

Na época, nos revidamos com ódio, pragas e maldições a todos os escravocratas. Esses sentimentos nos prenderam a eles por muitas gerações.

Pragas e maldições são magias nocivas que acompanham a pessoa e sua hereditariedade até que sejam quebradas num trabalho espiritual, ou perdoadas por quem as lançou.

A viagem para essa terra foi com muito sofrimento.

Eu tive o privilégio de ser vendida para Sinhá Edna, uma dona de fazenda que era religiosa e procurava seguir as leis divinas.

Nessa fazenda não existiam chicotes, castigos físicos e maus tratos de espécie alguma.

Eu era adolescente e aprendi a ler, escrever, bordar, cozinhar e brincar.

Sabíamos o que acontecia nas outras fazendas, por escravos fugitivos e pelas visitas de sinhá Edna. Ela não recebia escravos fugitivos, mas lhes dava comida e após cuidar de seus ferimentos os mandava embora.

Sinhá Edna sofreu um infarto e faleceu. Seu irmão herdou a fazenda e foi conhecer a nova propriedade. Ele e a irmã não se falavam há anos por não se entenderem.

Assim que ele chegou à fazenda, foi recebido pelos escravos em fila.

Os escravos eram limpos e vestidos com uniformes.

Heitor se apresentou do seguinte modo:
― Meu nome é Coronel Heitor, minha esposa Sinhá Matilda, meu filho André, Leopoldo, Francisco, Pedro, Jacinto, Margarida, Lourdes e Mateus.

Ele foi apontando as crianças, que olhavam curiosos para nossas roupas.

― Providencie os quartos para todos, estamos cansados da viagem. As crianças trouxeram suas mucamas. Mostrem para elas onde está tudo para poderem nos preparar a refeição que estamos acostumados. Continuem em suas tarefas.

Coronel Heitor e Sinhá Matilde foram para seus quartos e dormiram a tarde toda.

As crianças correram pela casa, subiam e desciam pelas escadas, fazendo barulho. As mucamas delas as desafiaram para conhecerem o pomar da fazenda.

Fui a encarregada de mostrar onde era o pomar e ajudá-las.

As mucamas estavam encantadas com nossas roupas.

― Vocês têm roupas bordadas como as da sinhá. Verdade que sinhá Edna tratava vocês como filhas?

― Sim. Ela era uma santa. ― respondi.

Assim que a Sinhá Matilde acordou, ela foi para a cozinha e mandou chamar todos os escravos que faziam serviço caseiro e se surpreendeu com o número de escravos.

Começou perguntando o nome e o que fazia. Na minha vez eu respondi:
― Terezinha, lavo roupas, cozinho, bordo, costuro, faço doces e ajudo na limpeza da segunda-feira.

E assim por diante. Quando acabou a entrevista, ela perguntou:
― Todos auxiliam na limpeza de segunda-feira. O que tem de tão especial nessa limpeza que precisa de tanta gente?

Zezé, a encarregada dos serviçais da casa, respondeu: é dia da faxina geral. Limpamos as paredes, as portas, os cristais, as cristaleiras e os tetos. Dona Edna queria a limpeza terminada antes das duas horas da tarde, por isso, distribuía por setores. Todos tinham que ajudar.

― Não mude os hábitos da casa Zezé, a rotina continua a mesma. Onde está o feitor?

― Ele está na plantação, sinhá.

― Quando ele chegar, mande-o me procurar.

O coronel Heitor acordou e resmungou:
― Cadê minhas botas?

Dinho subiu correndo com as botas do coronel. Elas estavam brilhando.

― Por que minhas botas não estavam no lugar? ― gritou ele.

― O Sinhô estava dormindo de porta fechada e não posso acordá-lo e nem entrar sem sua autorização, Coronel. Esperei que acordasse. ― respondeu o menino, assustado.

― Cadê o Jairo? ― perguntou grosseiramente.

Jairo era o escravo de confiança do coronel e providenciava sua comida, roupas e o seguia o tempo todo.
― Tô aqui, coronel.

― Ajude-me a calçar as botas.

O coronel, a sinhá e os filhos foram conhecer a fazenda. Simas, o feitor, os acompanhou e foi mostrando a extensão de terra herdada. A área plantada, o riacho onde se fazia uma boa pescaria.

Simas mostrou a senzala e Heitor ficou admirado.

― Eles dormem em camas? Esse lugar mais parece um hotel de luxo.

― Eles dormem em lençóis bordados? Que luxo! Ninguém vai acreditar quando eu contar isso. ― falou Sinhá Matilde.

― Onde fica o tronco?

― Sinhá Edna não admitia nenhum castigo. Os escravos tinham adoração por ela. Um desejo dela era obedecido imediatamente. Nunca foi preciso castigar alguém.

Heitor foi para o escritório e olhou demoradamente no bom gosto, no capricho e limpeza dele. Olhou os livros e viu que a fazenda tinha um bom saldo positivo. Plantavam cana-de-açúcar e produziam açúcar, que geravam alto lucro. Cultivavam frutas também. Plantavam marmelos e fabricavam a marmelada marrom-glacê, disputadíssima na importação.

Na fazenda do pai, ele e a irmã discutiam sempre que havia castigo de algum escravo. Quando ela se casou, o marido fazia todas as vontades dela e a deixou administrar como queria.

Edna e ele não se falavam, pois ela o chamou de cruel, carrasco e insensível. Eles nunca mais se encontraram.

Ele olhou pela janela e viu no caramanchão homens, mulheres e crianças sentados e com panos na mão. Chamou por Matilde e foram ver o que faziam.

Zezé explicou que todos que terminavam suas tarefas, deviam vir costurar ou bordar.

― E o que vocês bordam? ― perguntou Matilda.

― E+ a casinha + a paisagem. O nome da fazenda, “Edna”, mas sinhá só colocou o “E”. Toda a roupa de cama, mesa, banho e os uniformes têm que ter o bordado, para poder ser usado. É o enxoval da fazenda.

― Quem os ensinou a bordar? Esse bordado chama-se pintura em agulha.

― Sinhá Edna.

Matilda olhou os bordados e entendeu como tudo ali era feito com muito esmero.

― Heitor, o nome da fazenda será mudado?

Heitor olhava o trabalho que estava sendo executado e pensou: ela identificou cada escravo e deixou bem claro a quem pertencia. Todos os uniformes tinham bordados o brasão pessoal de Edna e embaixo o nome do escravo.

― Não! Nada será mudado. Edna era uma perfeccionista. Deixou sua marca e vou conservá-la.

Sinhá Edna além de perfeccionista era bondosa, caridosa e através dela conheci o amor incondicional.

Nessa vida entendi o que era compaixão, respeito e carinho.

Casei-me com um escravo da fazenda e tivemos dois filhos que cresceram comigo.

O coronel Heitor e a sinhá Matilda não vendiam escravos, só compravam e seguiram os passos de sinhá Edna, nos tratavam com dignidade.

FIM

― Você conheceu três pessoas lindas, numa fase de muitas trevas. É ótimo saber que houve exceções.
Obrigada, Alcione.

Conheça mais sobre quem contou uma de suas vidas.

Alcione

Anjo da Chama Branca Cristalina

Nossa convidada de hoje é Alcione.

― Bem-vinda, Alcione.

― Obrigada pela atenciosa recepção. Tive muitas encarnações nesse lindo planeta e voltei como voluntária para observar a transição e auxiliar no que puder.

― Você é uma ascensionada?

― Sim. Faço parte da falange dos anjos da Chama Branca Cristalina.

― É verdade que na quarta-feira, os anjos da Chama Branca Cristalina emanam sua luz durante o dia inteiro ao planeta?

― Sim. A luz da pureza e da ascensão. Na quarta-feira, os anjos, arcanjos e ascensionados da Chama Branca Cristalina são os responsáveis por manterem a vibração planetária e também por receberem as crianças que nascem nesse dia da semana. Sem interferirem no trabalho que está em andamento de outras falanges e ascensionados.

― Como você se apresenta? Como posso representá-la?

― Adotei a aparência de uma de minhas experiências no corpo. Eu era alta, magra, tinha cabelos negros e encaracolados. Era mulata de olhos verdes. Nasci em uma família abastada, meu pai era branco albino e minha mãe mulata.

A cor de meus olhos sempre se destacava, mesmo assim, sofri todo tipo de preconceito. Pela cor e por ser mulher. Nessa vida, eu aprendi a me amar e encerrar definitivamente meus preconceitos. Essa atitude foi definitiva para a minha ascensão.

― Obrigada pelo ensinamento, Alcione.

― Minha experiência: “Três exceções”.