Nasci em uma tribo africana. Nessa aldeia nenhum castigo era dado às crianças. Elas eram felizes e livres, num limite territorial estipulado pelos mais velhos.
Minha infância foi dotada de uma superproteção do meu anjo-da-guarda. Brinquei, mas nunca me machuquei. Nunca fiquei doente, não passei frio, fome ou sede.
O rio era um pouco distante da tribo. Lá era perigoso, tinha jacarés e eles comiam qualquer animal ou humano que se aproximassem das margens ou se distraíssem nos banhos.
Na seca, caminhávamos muito em busca de água.
Na adolescência, descobri que a região era hostil. Fora as zebras e girafas, podíamos ser comidos pelos outros animais. Só saíamos em grupos bem armados. Nossas armas eram lanças, arco e flecha, tacapes, e usávamos instrumentos acústicos para amedrontar os animais. Os tambores assustavam, inclusive, leões.
Caçávamos e pescávamos. Eu adorava o vento no rosto. Eu e outras crianças resolvemos montar em uma zebra. Elas eram mansas, comiam o que dávamos a elas, aproximei, acariciei e montei na zebra, ela não gostou e disparou, acabei caindo. Todos riram muito. Tudo para nós era motivo de boas gargalhadas.
Fiz amizade com um elefante. Um dia, me atrevi e subi nele e sentei-me e fiquei acariciando uma de suas orelhas. Andei um bom tempo com meu amigo elefante. Fiz isso muitas vezes, tínhamos um elo de amor muito grande.
Eu aprendi, vendo o feiticeiro da tribo, a falar com os desuses. Falei com meu anjo-da-guarda. Ele sempre se fazia presente, evitando que eu caísse em armadilhas, cruzasse com animais peçonhentos, etc.
Perguntei a ele: como posso trazer água para o centro da aldeia? Não tive resposta.
Quando dormi, sonhei:
Meu anjo-da-guarda, de nome José, levou-me a um lugar onde vi água encanada, rodas d´água, como furar um poço artesiano, como desviar um trecho de rio. Depois fui ver como eram construídos. Resolvi que faria os três.
Amanheci inspirado. Falei do meu sonho e convidei todos a me ajudarem, assim teríamos um poço e uma fonte no meio da aldeia.
Eles se empolgaram com a ideia e começamos a cavar. Precisei fazer várias experiências de um material que não enfraquecesse ao ficar imerso e que tivesse resistência para suportar o peso de terra em cima.
Consegui fazer um molde do tamanho do cano de que eu precisava. Usei uma argamassa feita de pedras moídas, mato e terra úmida e o cozinhei em um forno feito especialmente para isso. Ficou como uma cerâmica.
Quando tinha o número de canos suficientes, começamos a cavar um buraco fundo perto do rio até o lugar onde seria o poço da aldeia.
Meus amigos nada entendiam, mas gostaram da ideia de ter água na aldeia e me ajudaram.
Consegui desviar um trecho do rio até perto da aldeia e fiz uma roda d’água para moer os grãos que plantávamos. O poço artesiano passou a fornecer água potável.
Levei a vida inteira para ver esse resultado.
Meu anjo-da-guarda, José, falou que eu era um farol e havia levado luz para essa região.
Quando completei 55 anos, meu tempo de vida terrena terminou. Era hora de voltar ao trabalho, parti.
Essa foi a minha experiência na vida terrestre.
FIM
― Obrigada, Daniel. Foi um prazer ouvi-lo. É preciso muita coragem para ser indígena africano. Foi e é o povo mais maltratado do planeta.
― Essa tribo em que vivi, já estava pronta para a ascensão, por isso, não foi molestada por nenhuma raça predadora. Já não estão no planeta.