Nasci no Japão. Um tempo em que a mulher só servia para procriar, servir o marido e a família.
Houve uma guerra civil. Um grupo que não aceitava as ideias do imperador e queria acabar com o poder dele. O outro, de fanáticos que obedeciam e veneravam o imperador.
Meu pai, irmãos, marido e a cidade que morávamos era contra o imperador. Uma região rica, próspera e que alimentava mais da metade da população do país. Tinha um imenso exército.
Houve uma ação inesperada, nosso exército na hora de assumir seu posto, cumpriu seu juramento de soldado e se uniu ao imperador.
Sem exército e sem defesa, nosso grupo foi massacrado e serviu de exemplo para que não houvesse mais nenhum levante.
As mulheres e as meninas não tinham nenhum significado para o exército imperial tendo sido ignoradas, mas todos os homens e meninos foram mortos.
As mulheres e meninas ficaram abandonadas num campo devastado, só com defuntos. O espetáculo dantesco anestesiou minha capacidade de entendimento da realidade. Não chorei, não senti dor, apaguei o horror da minha memória. Passei a viver, como se aquilo tudo fosse um pesadelo e eu acordaria a qualquer momento.
A fome nos fez migrar para outras regiões. Nós, mulheres e meninas no sujeitávamos a todo tipo de trabalho, humilhações e explorações em troca de comida. Vida dura, sem dignidade, sem respeito, sem carinho, não conheci o amor.
Um dia, quando eu trabalhava na rizicultura (plantação de arroz) soube de um homem santo que frequentava o santuário perto dali.
Por curiosidade, fui ao santuário. Eu jamais ouvira falar de santidade.
Ao entrar no santuário, senti frio, não no corpo, mas na alma. A solidão doeu, o vazio que eu carregava se mostrou como nunca. Caí de joelhos e deixei que as lágrimas lavassem minha dor, uma dor que não tinha fim. Não sei quanto tempo fiquei lá. Ninguém se aproximou.
Vi o homem santo sentado em oração a alguns metros de distância.
Sequei minhas lágrimas e fui embora.
Naquela noite, dormi como um bebê. Não tive pesadelos, meu corpo não doeu.
Pela manhã me espreguicei e sorri para mim mesma. Achei divertido, eu tinha certeza de que nunca mais sorriria. Não havia motivo para isso.
Voltei na outra semana no santuário. Entrei e o silêncio me fez sentir paz e tranquilidade.
Sentei-me e fiquei tentando entender aquele lugar e o que fazia com minhas emoções.
Isso se repetiu por mais três semanas.
Na quarta semana, vi o homem santo, cheguei bem perto e sussurrei:
― Por que este lugar me fez chorar todas as tristezas de minha vida e agora ele me dá paz e a maior tranquilidade que já conheci?
O homem santo sorriu, sem olhar para mim, respondeu:
― Você é pura de coração. Sua alma não foi contagiada com a maldade que fez parte do seu dia-a-dia.
Fiquei esperando que ele falasse mais alguma coisa, mas ele entrou numa espécie de transe. Cansei de esperar e fui embora.
Na outra semana, quando cheguei ao santuário, soube que o homem santo havia ido embora.
Sentei no mesmo lugar e em alguns minutos eu já estava cansada. Levantei-me e fui embora. Isso se repetiu várias vezes. Perdi a vontade de ir ao santuário.
Após algum tempo, soube que o homem santo voltara. Voltei ao santuário. Ao entrar, senti a paz, a tranquilidade. Sentei-me e fiquei horas desfrutando daquele ambiente. De repente, eu entendi. Não era o lugar que me dava paz, e sim, a presença do homem santo.
Fui falar com ele. Cheguei perto e sussurrei:
― Quando você não está, não existe a paz nem a tranquilidade, só o silêncio. Como faço para ter essa paz comigo o tempo todo?
― Apenas respire, pense e diga: Eu sou a paz! Eu sou a tranquilidade! E deixe essas emoções tomarem seus pensamentos, seu coração e sua vontade de ser feliz.
Ele entrou em transe novamente.
Fui embora e comecei a treinar para ficar em transe. Repeti tantas vezes a frase que ele me ensinou que as pessoas comentavam que quando chegavam perto de mim sentiam paz e tranquilidade.
O homem santo nunca mais voltou, mas aprendi com ele que a felicidade, a paz e a tranquilidade estavam dentro de mim e eu tinha de lembrar isso todos os dias.
― Esse foi o meu despertar.
FIM
― Obrigada, Lívia. Sua experiência foi muito triste.