Nasci em uma época em que as mulheres não escolhiam seus maridos.
Meu nome era Mary, uma jovem sonhadora, romântica e tinha certeza de que me casaria com um jovem bonito, elegante, rico e inteligente e que morreria de amores por mim.
Quando completei quinze anos, meu pai me informou que um amigo dele queria casar o filho e eu fui prometida.
Fui pega de surpresa.
― Como é ele?
― Filho de Eduardo, meu amigo de infância, homem trabalhador, honesto, respeitador, religioso, bom pai. Educou seus filhos e garante que Reginaldo é o mais inteligente, trabalhador, ambicioso e trabalhando na fábrica, duplicou os ganhos com suas ideias inovadoras.
― Ele é operário de uma fábrica? Não casarei com nenhum pobretão. ― fiz cara de nojo.
― Ele não é operário, é o dono da fábrica. ― respondeu meu pai. ― Eva, eles virão jantar aqui na sexta-feira. Prepare Mary para se apresentar como uma moça recatada, prendada e que fique de boca fechada. Não quero passar vergonha.
Eva era minha mãe.
Minha mãe consentiu com a cabeça e disse:
― Acho que gostará desse rapaz. Sempre quis um jovem inteligente e rico.
Fiquei quieta. A cara de desagrado do meu pai, pela minha reação, tirou o meu bom humor.
Mamãe esmerou-se na faxina da casa, até mandou pintar o muro que estava sujo. Trocou a cortina da sala de jantar. As empregadas limparam os cristais e as cristaleiras reluziam com as luzes dos lustres de cristais.
Ganhei sapatos e vestido novo.
Sexta-feira chegou e eu estava inquieta. Minha mãe fez questão de me ajudar a pentear o cabelo e me vestir. Colocou-me uma corrente de ouro com um pingente de uma estrela.
― Posso descer, já estou pronta.
― Não. Só quando seu pai mandar chamá-la.
Não respondi. Mamãe saiu e fiquei no quarto.
Cansei de esperar e fui até a sacada e vi um carro chegar e parar na frente da minha casa. Um homem alto e gordo desceu e ajudou uma senhora a descer. Um jovem alto desceu e seguiu o casal. Não consegui ver o rosto de nenhum deles. Entrei.
Mamãe veio me chamar e fez mil recomendações novamente. Eu tinha o hábito de falar muito e meu pai me queria calada.
Fui apresentada aos convidados. Senti-me como um objeto sendo vistoriado antes de ser comprado.
Fiquei tímida, e eu nem sabia o que era isso. Reginaldo sorriu para mim.
Olhei para o rapaz e sorri para ele. Não era bonito, magro demais.
Ficamos sentados na sala, enquanto o pai dele e o meu conversavam e riam de suas memórias de criança.
Eu me senti em um velório. Percebi que Reginaldo estava detestando aquele encontro e sem pensar perguntei:
― Gosta de jogar sinuca?
Ele olhou surpreso e sorriu:
― Adoro. Você joga?
― Ganho do meu pai e dos meus irmãos. Não jogamos a dinheiro, só mimos.
Meu pai me fuzilou com o olhar. Antes de ele dizer qualquer coisa, Reginaldo se levantou:
― Com licença, sr. Eduardo e papai. Enquanto vocês relembram os bons tempos, eu e Mary vamos jogar uma partida de sinuca.
O Sr. Eduardo deve ter visto a cara de papai e correu em auxílio do filho.
― Claro, crianças. Walter, você gosta de sinuca?
― Gosto. Eu jogo com meus filhos.
― Faremos duplas, eu e você, Reginaldo e a namorada. Tudo bem?
Namorada? Pensei eu.
Meu pai levantou-se e fomos para a sala de sinuca. Dois de meus irmãos jogavam, Ricardo e Ismael.
Fizemos duplas e nos revezamos.
Reginaldo se soltou. Ele era alegre, brincou e vibrou com cada jogada. Nos divertimos como há muito tempo não fazíamos.
O jantar foi servido.
Não parecia mais um velório. Todos conversavam, riam e contavam casos. Reginaldo estava completamente à vontade com meus irmãos.
Ele me convidou para irmos ao teatro. Papai autorizou.
Quando eles saíram, fiquei esperando que meu pai me chamasse para uma conversa sobre moças comportadas, porém, ele disse que a noite fora ótima e que gostou muito de Reginaldo e tinha certeza de que ele gostara de mim.
― Gostou dele, minha filha? ― perguntou mamãe.
― Ele é feio e muito magro, mas alegre e divertido. Acho que gostei.
Papai olhou para mamãe. Mamãe olhou para papai e nada disseram.
No dia seguinte, recebi uma cesta de rosas e um bilhete:
“A encantadora jovem que fez de um jantar uma noite maravilhosa”.
Papai viu as flores e leu o bilhete.
― Eu disse que ele gostou de você. É o melhor partido da cidade.
Fui me encantando com Reginaldo e decidimos nos casar.
O casamento foi marcado para daí a seis meses.
Dois meses antes do casamento o Sr. Eduardo teve um infarto fulminante.
Reginaldo não quis adiar o casamento. Não haveria a grande festa planejada por mamãe e dona Dora, a mãe dele.
No dia do casamento, quando recebíamos os abraços, na igreja, eu vi o Sr. Eduardo chegar até Reginaldo e o abraçar, sorrindo. Olhei novamente e Reginaldo estava rindo com uma de minhas amigas.
Minha amiga Clotilde me abraçou e disse:
― Pare de tanto olhar para o noivo, ele já é marido, deixe as solteiras se despedirem à vontade.
Ri com ela. Esqueci o ocorrido. Aquilo foi minha imaginação, pensei. Eu gostava do Sr. Eduardo.
Não viajamos, pois Reginaldo não podia se afastar da fábrica. Estavam lançando a nova coleção e ele era o melhor vendedor.
No dia seguinte, Reginaldo pediu para levarmos flores até o túmulo do pai.
Na volta, meu marido me contou confidencialmente.
― Eu queria tanto que meu pai estivesse presente no nosso casamento que até senti ele me abraçar e me desejar felicidade. Sinto a falta dele.
Eu não disse nada, não tive coragem. Não queria ser considerada uma louca, ainda na lua de mel.
Esse foi o meu despertar.
Fim
Obrigada, Sulamita.