Na região da Etiópia, nasci em uma tribo primitiva. Minha mãe não resistiu à hemorragia no parto. Antes de morrer ela me deu o nome de Bandile.
Quando uma criança ficava órfã de mãe, o costume da aldeia era que todas as famílias a adotavam até que se tornasse apto a se alimentar sozinho. Então, nunca me faltou comida, aconchego e carinho. Todas as portas eram abertas para mim.
Aprendi a coser minhas roupas, costurar meus sapatos, caçar e preparar a minha comida.
Eu tinha uma admiração enorme pelo feiticeiro da tribo. A cabana dele também era aberta para mim. Eu gostava de dormir lá, assim eu ficava observando o feiticeiro, os preparativos que ele fazia e decorei cada gesto, cada palavra e todos os rituais.
― Posso ser feiticeiro? Sei tudo o que você faz. Preparo os remédios, sei procurar as ervas, matar as oferendas, cantar, dançar e invocar os espíritos.
O feiticeiro sorriu para mim.
― Os espíritos respondem a sua invocação? Eles colocam a magia que cura? Eles orientam o que você deve fazer com as oferendas?
Aquelas palavras me pegaram de surpresa.
― Não. Nunca se apresentaram, eu não sabia que eles precisavam falar comigo.
― Tente! Se eles não responderem ao seu chamado, é sinal de que você não poderá ser um feiticeiro, só um ajudante.
O feiticeiro saiu e fiquei desapontado. Eu aprendi tudo, só que não sabia nada. Levantei-me e fui para a beira do riacho, sentei-me em um tronco e cantei o chamado das águas.
O pequeno riacho estava calmo, e sem eu saber como, uma onda enorme apareceu e me banhou, e na mesma rapidez tudo ficou calmo novamente.
Comecei a rir e dançar. Era época de seca e dancei para chover. Olhei para o céu e não tinha nenhuma nuvem, continuei dançando e cantado e movimentando o meu “sistro”. Não sei quanto tempo dancei, mas eu não estava sozinho, havia uma roda com outras pessoas da minha tribo dançando comigo, de repente, eu senti a chuva me molhando. Levantei os braços e agradeci ao deus da chuva, à deusa das águas e as pessoas que dançaram comigo. Abaixei a cabeça e os reverenciei.
Não sei quanto tempo fiquei em êxtase. Quando me virei para voltar para a cabana do feiticeiro, eu o vi sorrindo para mim.
― Você foi batizado pela deusa da água. Agora você é um feiticeiro. Obrigado pela chuva.
O feiticeiro era idoso e nos deixou alguns meses depois, assumi a sua posição na tribo. O mais importante é que a partir desse dia eu não era mais o menino adotado pela tribo, agora eles eram os meus filhos.
Esse foi o meu despertar.

*Sistro é um instrumento de percussão que produz um som achocalhado. Foi usado pelos antigos egípcios e diziam que esse instrumento abria portal, quebrava energia negativa no ambiente e trazia o espírito da deusa no lugar.