O Despertar de um Anjo
Era tarde da noite e Eunice, uma jovem dona de casa, não conseguia dormir. Levantou-se e preparou um chá de camomila. Eulália, sua filha, foi passar as férias escolares na casa de sua irmã, Adélia. Era a primeira vez que a menina dormia fora.
― Que aconteceu, querida? Não está bem? ― perguntou Alberto, seu marido.
― Sinto falta de Eulália. Esse silêncio na casa me incomoda. ― respondeu Eunice.
― Ela já fez 12 anos, nossa menina está crescida. Ainda faltam dez dias para ela voltar. Que tal se aproveitássemos e voltássemos naquele hotel fazenda em que passamos a lua-de-mel? Assim o tempo passaria rápido. Preciso de férias e você também. Nunca mais saímos de casa.
― Gostei da ideia, querido. O que faremos com o gato e o cachorro?
― Minha mãe ou minhas irmãs podem vir colocar comida e água para eles. Fazemos isso para elas quando viajam.
― Quando iremos?
― Amanhã avisarei no serviço. Arrume as malas e avise minha mãe e as meninas. Dê também uma chave da casa para elas poderem entrar.
Alberto e Eunice viajaram no dia seguinte. Por nove dias se divertiram. Em contato com a natureza a vida fluiu e pareciam estar em outro mundo.
Na volta para casa, pegaram a estrada bem cedo, ainda estava escuro. Um caminhão atravessou a pista e bateu no carro deles, jogando-o contra um barranco. Alberto morreu na hora e Eunice ficou presa nas ferragens, inconsciente. Acordou no hospital quinze dias após o acidente.
Eunice se sentia presa, lutava para se mover e custou a entender o que a enfermeira e sua cunhada falavam. Abriu os olhos e viu Celina, sua cunhada, chorando e chamando por ela.
― Celina? Onde estou? O que está acontecendo? Não consigo me mexer.
― Você está enfaixada. Quebrou vários ossos no acidente. Tente ficar calma. Está tudo bem.
― Acidente?
― Sim. Não lembra que um caminhão bateu no seu carro? ― falou Celina, com lágrimas nos olhos.
Um médico, um jovem alto de cabelos castanhos e um bonito sorriso, entrou no quarto e cumprimentou Eunice.
― Como está se sentindo, dona Eunice? A senhora ficou em coma, dormiu por quinze dias.
Enquanto falava, o médico examinava Eunice e seus reflexos.
― Sente alguma coisa aqui? ― perguntou o médico.
― Sim, você me espetou na coxa, na barriga-da-perna e agora nos pés. Por que está espetando meus dedos? ― perguntou Eunice, mal-humorada.
― É hora de sair dessa cama. Já vi que seus braços e mãos continuam fortes. Sente dores?
― Sim. Meu corpo dói, quero me levantar. Preciso me movimentar. O que aconteceu comigo?
― A senhora teve muita sorte. Não houve fratura total em nenhum dos ossos. Foram fissura, conhecida como rachaduras, no quadril e em algumas costelas, que não saíram do lugar e não houve ferimentos internos. A senhora está enfaixada para evitar que seus movimentos provoquem inflamações. Não tente ficar em pé. Um fisioterapeuta virá ajudá-la. Além dos exercícios a orientará como se locomover. Virei vê-la mais tarde. Dependendo da análise do fisioterapeuta, a senhora poderá ir para casa.
O médico se despediu e saiu.
Eunice tentou lembrar do acidente.
― Não lembro do acidente. Estávamos voltando, dormi e acordei aqui. Onde está Alberto? Ele se machucou? Também está internado?
Não teve resposta. Olhou para Celina que chorava e se desesperou.
― Celina, o que aconteceu com Alberto? O estado dele é muito grave? ― chorou Eunice.
― Não, Eunice. Meu filho não sofreu. Teve morte instantânea.
Só então Eunice viu que a sogra, uma senhora de cabelos brancos, vestida de preto, estava no quarto, sentada em um sofá, bege, de couro, ao lado da cama.
Eunice não quis entender o que ouvira e disse:
― Preciso acordar, estou num pesadelo, Alberto, me acorda… ― chorou desesperada.
Eulália entrou no quarto, pegou na mão da mãe e disse:
― Não chore, mamãe. No dia em que vocês sofreram o acidente, eu sonhei com o papai e ele me disse: estou partindo, sua mãe precisa de você. Ela é muito frágil e ficará perdida sem mim. Você é a nossa fortaleza, pegue na mão dela e a levante nos momentos de aflição. Lembre-a que meu amor continuará sempre com vocês duas e lá do céu eu, as abençoarei diariamente. Não chore por mim, estou ótimo. Veja! Agora sou um anjo. Sorria!
Eunice, mais calma, olhou para a filha, seu rostinho estava tranquilo, seus cabelos bem penteados com um rabo-de-cavalo que ia até o meio das costas, seus olhos castanhos pareciam sorrir. Acariciou o seu rosto.
― Senti muito a sua falta, querida. Se divertiu na casa da tia Adélia?
― Sim, mamãe. Fiquei com muita saudade de você, do papai, do Chaninho, o gato, e do Leão, o cachorro.
Dois depois, Eunice teve alta do hospital e foi para a casa. Continuou com a fisioterapia por mais de um ano, até conseguir andar e correr novamente.
Nunca se lembrou de momento do acidente.
Eulália cresceu e se formou médica veterinária. Abriu uma clínica e Eunice passou a ajudá-la nos atendimentos.
Um dia, olhando pela janela, Eunice, viu um caminhão fazer uma manobra e bater em um carro estacionado. Sua memória voltou, entrou em transe e se viu na estrada e o caminhão vindo em direção a eles. Alberto tentando desviar, mas a estrada era estreita e foram atingidos e arrastados para o barranco. Viu Alberto ensanguentado, sua cabeça estava com um corte fundo e caída sobre o volante. Ela estava espremida, não conseguia se mexer e chamava por Alberto. Ouviu alguém dizer: a mulher está viva, o homem morreu.
Eunice sentiu sua vista escurecer e desmaiou.
Eulália e a enfermeira a socorreram.
― Mamãe! Mamãe! O que está sentindo? Já chamei a ambulância. Tenha calma.
― Lembrei do acidente, Eulália. Vi seu pai morto com a cabeça sangrando em cima do volante. Achei que ia enlouquecer de desespero e tudo ficou escuro. Acordei no hospital. ― chorava Eunice.
― Oh! Mamãe! Lamento que tenha lembrado.
A ambulância chegou e o médico, após examiná-la, recomendou que ela procurasse um psicólogo. Essa lembrança ia doer e ela poderia adoecer. Não havia remédio para isso.
Eunice amanheceu tendo a impressão que um trator passara por cima dela. O corpo inteiro doía. Não teve vontade de levantar. O quarto estava na penumbra, mas viu um cartaz enorme na parede e acendeu o abajur. O cartaz dizia: “Lembre-se que meu amor continuará sempre com vocês duas e lá do céu eu as abençoarei diariamente. Não chore por mim, estou ótimo. Veja! Agora sou um anjo. Sorria! ”
O cartaz era velho, estava amarelado pelo tempo.
― Minha filha, há quanto tempo, você escreveu aquele cartaz?
― Quando voltei para casa, soube do acidente que papai havia ido embora. Escrevi o que ele me disse no sonho e coloquei no meu guarda-roupa, atrás das minhas roupas. Para lembrar que ele me abençoava diariamente e era um anjo. Eu não precisava chorar, ele estava feliz e sempre nos amando.
― Obrigada, por me lembrar disso. Eu estava com tanto dó de mim que não reagi, não quis enfrentar a dolorosa realidade. Desculpe, querida. Eu deveria consolá-la, mas acabei sendo consolada por você.
― Papai sabia disso, por isso veio em meu sonho. Ele só partiu, não deixou de te amar.
Eunice olhou para a filha e sorriu. Sentiu uma paz incrível. Aceitaria a vida como ela é. Agora, viver seria uma dádiva e não um peso a carregar.
Desse dia em diante, Eunice passou a questionar: Qual a função de um anjo? Como se tornar um, como Alberto? Ela entendeu que continuamos vivendo em outro lugar. Não sabia o nome, mas queria ir para lá, ser um anjo.
Essa vida foi o início de seu despertar espiritual. Eunice traçou seu caminho para chegar ao seu objetivo. Levou muito tempo, mas conseguiu se tornar um anjo.
No registro akáshico, essa vida, consta como ocorreu o início do despertar para a espiritualidade de Eunice, hoje, uma amazona do raio azul, chamada Moirina.
Moirina, amazona do raio azul, a serviço do Arcanjo Miguel.