Nasci na idade média, filha de um nobre muito rico, Ricardo, um conde impiedoso e imoral. Recebi o nome de Elizabete.
Minha mãe, Eloá, sabia que ele não respeitava mulher alguma e se aproveitava de todas.
Minha irmã mais velha, Margareth, aos 13 anos, engravidou dos abusos do pai e pulou do muro do castelo caindo sobre as pedras.
Esse acontecimento foi dado como um lamentável acidente.
Minha mãe era proibida de sair do quarto, era prisioneira na própria casa. Sabia o que estava acontecendo, mas também era vítima dos abusos e não conseguiu proteger Margareth.
No enterro da minha irmã, meus avós maternos vieram confortar a filha.
Minha mãe aproveitou a presença deles e contou do seu suplício e pediu que me levassem em segredo e nunca deixassem eu voltar ou ficar a sós com o pai. Ele era doente e gostava de meninas.
Meu avô era nobre, barão Adolfo, mas não tinha o exército igual ao do meu pai e não havia nenhuma possibilidade de enfrentá-lo. Chorou por não poder levar a filha também.
Adolfo era estrategista e armou um plano para que eu saísse do castelo sem ninguém saber.
A cidade do Conde era a maior produtora de peças de vidros e cristais da Europa.
Após o enterro, meu avô, conversando com o conde Ricardo, manifestou a vontade de comprar peças de cristais para o seu castelo.
O conde Ricardo acompanhou o barão Adolfo e sugeriu algumas peças valiosíssimas.
O barão comprou várias, entre elas, ficou em dúvida a escolher um vaso alto e muito delicado.
― Conde Ricardo, acredita que eu consiga levar essa peça? Ela parece bastante delicada.
― Consegue. Deixarei bem claro que se ela quebrar o Sr. será indenizado. Eles farão a embalagem correta e a peça será bem protegida, mesmo com os solavancos de buracos na estrada, não quebrará.
Satisfeito, o barão voltou para casa e deu ordens aos criados para guardarem as peças em seu quarto. Partiriam no dia seguinte.
A embalagem do vaso alto era um baú. Eloá e a mãe, Catarina, abriram o baú, tiraram o vaso e o colocaram em outra embalagem. Revestiram o interior do baú para ficar macio e aconchegante para o esconderijo. Tomaram o cuidado para haver ventilação, o ar não poderia faltar.
Fui orientada por minha mãe que eu iria sair do castelo e ficaria sob a proteção de meu avô. Sob hipótese alguma eu poderia entrar em contato com o pai ou ele a mataria e a família inteira.
Eu tinha muito medo do meu pai, ouvira que ele atirou Margareth do muro por estar namorando um soldado.
Fui colocada no baú preparado por mamãe e vovó. Havia vários furos para não me faltar o ar, estava cheio de roupas. Fui levada com as malas de minha avó. Sob o olhar severo do barão Adolfo, lembrando da fragilidade das peças.
Na partida, minha mãe ficou na escada vendo os pais partirem e chorou.
Assim que eles partiram, minha mãe voltou a ficar trancada no quarto.
No dia seguinte, minha mãe gritou até o conde ir falar com ela.
― Devolva minha filha! Se tocar nela, eu te mato! ― falou mamãe num estado de histerismo, avançando no conde, que se assustou.
― Eu não sei de nossa filha. Como ela conseguiu sair daqui?
― Ela não saiu. Foi você que a levou. ― acusou-o, mamãe.
Mamãe continuou chorando e gritando, avançou, batendo nele e gritando:
― Eu quero minha filha! Devolve minha filha.
Ela teve um surto, quando entendeu que Margarete não voltaria mais.
Ele não entendeu que ela chorava por Margarete e não por mim.
Ele conseguiu se desvencilhar de mamãe e saiu do quarto, assustado com a reação dela.
O conde ficou furioso com o meu desaparecimento e, nem por um minuto, pensou que mamãe sabia o meu paradeiro.
Meu desaparecimento foi dado como um sequestro.
Meu pai mandou os soldados me procurarem em toda a vizinhança.
Ele tinha a certeza de que eu fugira por saber o que acontecera com minha irmã, mesmo assim prendeu suspeitos, surrou empregados por não saberem como eu saí do castelo sem ser vista por ninguém.
Os guardas do portão foram enforcados por negligência.
Assim que saímos das terras do conde, minha avó abriu o baú e me deu água. Eu estava na carruagem em que vovó viajava. As cortinas estavam fechadas, ninguém nos veria. O baú me serviu de cama.
Meus avós me mandaram para a casa de uma tia, fora do país.
Seis anos depois, meu pai foi morto em uma emboscada.
Algo me dizia ser obra do meu avô materno. Nunca perguntei e ele nunca tocou no assunto.
Voltei para casa e mamãe me recebeu com um enorme sorriso.
Meu avô arranjou outro casamento para minha mãe, mas foi cuidadoso, investigou muito sobre o caráter e a moral do pretendente.
Na primeira noite que dormi no castelo, ouvi gemidos e alguém chorando baixinho. Acendi o candelabro e fui para o corredor para ver quem chorava. Não havia ninguém no corredor. Voltei para a cama e dormi.
No dia seguinte, contei para minha mãe.
― De hoje em diante, uma camareira dormirá no quarto ao lado. Não saia do quarto sozinha, nunca. ― ordenou mamãe.
Mamãe parecia assustada.
― Mamãe, o conde está morto. Ele não estava maltratando a ninguém. ― falei.
― Desculpe, querida. Eu não gosto deste castelo. Ele me assombra.
Mary, a criada de quarto, passou a dormir no quarto geminado ao meu, e que tinha uma porta entre os dois.
À noite, acordei com Mary entrando no meu quarto com o candelabro aceso, sentou-se na cadeira e ficou quieta.
― Ponha esse candelabro em cima da mesa, dormirá e incendiará o quarto. ― falei.
― Desculpe, senhorita, não queria acordá-la.
― Por que está aqui?
― Pensei ter ouvido a senhorita me chamar.
― Vá dormir.
― Posso dormir aqui no chão? Tenho medo de dormir aqui em cima. Era onde seu pai prendia as meninas e mocinhas que os soldados traziam para ele se divertir.
― Pode dormir aqui, traga seu colchão. Amanhã chamarei um padre para exorcizar esse castelo.
― Eu, mamãe e o novo marido dela, o marquês Eduardo, fomos à igreja e pedimos ao padre para rezar uma missa no castelo por todas as almas das infelizes mulheres, que foram abusadas pelo conde.
O padre marcou para o dia seguinte.
Naquela noite, eu ouvi o gemido e o choro e perguntei:
― Quem é você? Não tenha medo. Pode sair. O conde foi morto em uma emboscada e não voltará nunca mais.
O choro parou, mas não tive resposta.
Mary abriu a porta e entrou com o candelabro aceso.
― A senhorita teve um pesadelo? Por que chorou?
― Mary, eu não tive pesadelo e não chorei. Mas já que está aqui, de quem foi esse quarto?
― Da sua irmã mais velha, a senhorita Margareth. Dizem que o conde a jogou do muro do castelo porque ela engravidou de um soldado. Ninguém acreditou nessa história. Ela odiava e tinha muito medo do pai e se matou.
No dia seguinte, durante o desjejum:
― Mamãe, por que me colocou no quarto de Margareth? Eu não tinha o meu quarto?
― Não. Eu a mantive no meu quarto, junto comigo. Seu pai era louco e eu tinha que protegê-la. O quarto de Margareth é bonito, arejado e bate sol. Não gostou do quarto? Tem mais de trinta quartos aqui no castelo, escolha o que quiser.
Quando o padre chegou, ele fez a oração no salão principal e eu pedi para exorcizar o quarto de Margareth.
O padre não fez perguntas e me seguiu. Fez as orações em todos os quartos. Ficou praticamente a manhã inteira. Almoçou conosco.
Quando não tinha nenhum empregado à vista, ele disse:
― O duque continuava aqui, correndo atrás das pequenas vítimas. Mandei que ele fosse para as profundezas do inferno e as vítimas dele foram levadas pelos anjos. O castelo está limpo e abençoado. Mandem rezar pelas vítimas, elas precisam das orações para saberem que já estão nas graças do senhor.
O padre foi embora e mamãe comentou:
― Pedirei ao senhor meu marido que mande fazer um castelo novo e depois mandarei derrubar esse. Assim, se o duque fugir do inferno não encontrará mais onde se esconder.
― Mamãe, não acredito que alguém consiga fugir do inferno, mas gostarei muito de um novo castelo.
Fui para meu quarto e sentei-me na cama e ouvi:
― Obrigada por trazer o padre. Agora estamos livres e vamos com os anjos. Obrigada, minha irmã.
― Margareth!
― Não tive resposta.
― Vá em paz, minha irmã. ― despedi-me de Margareth.
― Nunca contei isso para ninguém, nem em confissão. Como explicaria ouvir choro e depois um agradecimento de alguém que já morrera?
― Esse foi o meu despertar.
Fim
―Obrigada Daise. Você foi muito corajosa, 99% das pessoas que lerem essa experiência jamais dormiriam ou entrariam naquele quarto novamente.