Nasci em uma terra distante da civilização. Praticamente no meio da floresta amazônica. As casas eram de madeira sobre um igarapé.
Quando criança, eu era feliz, brincava com minhas três irmãs. Éramos quatro marias: Maria de Lourdes, a Lulu com 13 anos; Maria de Fátima, a Fatinha, com 12 anos; Maria Célia, a Celinha com 10 anos e eu, Maria Elizabete, a Liz com 8 anos. Não sabíamos o paradeiro de nosso pai. Um dia, durante a brincadeira, bebemos da água do igarapé, sem nenhuma preocupação, e fomos repreendidas por nossa mãe:
― Essa água é poluída! Vem dos esgotos, não bebam! ― irritou-se ela.
Em um dia muito quente, minha irmã Lulu acordou tremendo de frio. Minha mãe já havia saído para trabalhar. Ela lavava roupas na linda casa de dona Helena. Chegaria no final do dia, como sempre.
Lulu, não saiu da cama e começou a vomitar. Não sabíamos o que fazer, ela estava com diarreia e vomitando.
Fatinha mandou que ficássemos com ela e foi buscar mamãe. A casa da dona Helena era muito longe, mesmo sendo rápida, ela levaria mais de uma hora andando para tomar o barco e atravessar para o outro lado e ainda andaria uns quarenta minutos até a casa. Quando elas chegaram Lulu nem levantava mais, não tinha forças.
Lulu foi levada para o posto médico que ficava a duas horas do lugar onde morávamos, e de lá transferida para o hospital. Ficou internada três dias e faleceu.
Eu me recusei a acreditar que nunca mais veria Lulu. Não chorei. Agarrei-me na esperança de que ela voltaria.
O tempo passou e eu continuava esperando a volta dela.
Minha mãe, preocupada, me levou a um médico. Ele era bonzinho e conversava comigo, mas sempre que tentava explicar a partida de Lulu, eu saia da sala e não voltava.
Celinha tinha que me levar ao médico duas vezes na semana. Um dia, ela estava mal-humorada e disse:
― Estou cansada de ter que vir aqui. Quando você deixará de ser louca?
― Eu não sou louca! ― respondi irritada
― É sim! Você vem ao psiquiatra toda semana. Sabe por quê? Não sabe que a Lulu morreu. Fica sentada, esperando que ela volte. Ela não voltará. Ela foi para o céu, virou um anjo.
As palavras de Celinha ecoavam na minha cabeça. Senti uma dor enorme no peito, o ar faltou e minhas pernas bambearam e cai de joelhos. Senti a presença da Lulu e ouvi a sua voz: calma, respira devagar. Acorde desse pesadelo, Liz. Eu não morri, só me transformei em um anjo. Um dia nos encontraremos novamente. Volte a ser feliz ou não terei paz.
Ouvi ao longe a voz da Celinha e do médico.
― Liz! Liz! Chamava por mim Celinha, chorando. Desculpa, eu não quis te ofender, me desculpa, chorava ela.
Alguém colocou vinagre perto do meu nariz e espirrei.
― Lulu! Chamei por ela e não tive resposta. Chorei tudo que tinha para chorar.
O médico e Celinha me ajudaram a sentar na poltrona e ficaram falando comigo. Fui medicada e adormeci. Fiquei internada na clínica sob o efeito do medicamento. Acordei e vi minha mãe, cochilando numa cadeira, ao meu lado. Tive muito dó dela. Ficar sem a Lulu e ainda ter que me ajudar a superar a minha dor. Fatinha estava conversando com a enfermeira.
― Mamãe!
― Bom dia, Liz! Como você está, minha filha?
― Agora que falei com a Lulu, estou ótima.
Vi o desânimo no rosto dela. Minha mãe olhou para mim e lágrimas escorreram de seus olhos.
― Sonhei com ela mamãe. Ela disse que se transformou em um anjo. Que eu preciso ser feliz para ela ter paz. Acho que já chorei todas as minhas lágrimas. Podemos ir para casa?
Fatinha chegou e sorriu para mim.
― Eu ouvi o seu sonho. Conta mais, como ela estava vestida? Era roupa de anjo?
― Sim. Um anjo azul. Muito linda.
Recebi alta e fui para casa. Voltei a estudar, mas repeti o ano por faltas. Minha mãe não se importou.
Passei o resto da vida tentando ouvir Lulu outra vez. Pesquisei tudo sobre fenômenos paranormais e até estudei teologia. Lulu continuou calada.
Eu não podia contar para minhas irmãs e minha mãe que eu ouvi a Lulu ou elas achariam que eu era louca. Elas não acreditavam em vida após a morte.
Essa foi a vida do meu despertar.
Fim
Perguntei à Liz: encontrou Lulu após o seu desencarne?
― Sim! Lulu é da legião dos anjos azuis. ― respondeu ela.
― Obrigada, Liz. A sua experiência foi muito triste. Chorei, e eu não sou chorona.