Nasci em um território deserto, meu nome era Reibi, esse é o som mais parecido na sua língua. Minha tribo, ou minha civilização, vivia pacificamente.
Morávamos à beira-mar, o contato com a água e a capacidade de ficarmos cada vez mais tempo submersos nos levou a desenvolver guelras e passamos a respirar o oxigênio da água. O mar nesse planeta é de água doce.
Nossa aparência foi se modificando e nossa pele adquiriu uma camada protetora contra umidade, bactérias e corpos estranhos, mantendo também a temperatura do corpo. Essa camada era grossa e áspera e lembrava a pele de um peixe. Como vivíamos tanto na água quanto na terra, nossos membros inferiores não se atrofiaram, ao contrário, tínhamos pernas fortes e ágeis. Nossos braços se modificaram, eram maiores, mais fortes e em nada lembrava nossos antepassados. Foi uma mutação que sofremos.
Para nos comunicar embaixo da água desenvolvemos a telepatia automaticamente. Éramos humanos e anfíbios. Não tínhamos conhecimentos científicos para entender essa evolução.
Construímos uma cidade aquática, em uma cúpula de um material que lembra o vidro blindado; só que maleável, não quebra com a pressão da água. Dividimos essa cidade em duas partes: uma de superfície seca, sem nenhuma gota de água e a outra totalmente de água. Não queríamos perder a capacidade de ser humano e respirar fora da água. Isso foi instintivo.
As novas gerações criaram brinquedos adaptados para os dois lados. Eram inventores, hoje eu os chamaria de gênios. Foi o início da tecnologia.
Meu brinquedo favorito lembra o que vocês chamam de jet esqui. Era o nosso transporte aquático individual. Usado na superfície aquática e submerso.
Seu combustível diferia, uma mistura de álcool. Também usávamos o petróleo para extrair combustível para as novas máquinas inventadas.
Um dia, um navio com pessoas somente humanas chegou a nossa região. Eles nos olhavam com horror e nos agrediram. Mataram adultos e crianças que estavam em terra. Os outros se lançaram ao mar e se refugiaram na cidade aquática.
O espanto, o terror vivido, a morte dos nossos nos encheu de ódio. Esse sentimento desconhecido nos dominou.
Um prisioneiro foi feito e questionado por que fomos tratados com tanta violência, se foram recebidos com respeito e boa vontade.
A resposta nos chocou. Fomos vistos como aberrações, seres monstruosos, indignos de sobreviver.
Nossos jovens não quiseram ouvir mais nada. Jogaram-no para fora da cidade e o mandaram que voltassem a seu navio e partissem. Ele era um excelente nadador, mas não fez nem um terço do caminho, afogou.
Não conhecíamos armas, mas nossa inocência acabou. Nem precisávamos delas, afundar um navio era muito fácil e afogar um humano, mais fácil ainda. Eles não partiram.
Em uma das reuniões que fizemos, foi feita a comparação de nossos corpos e da diferença das aparências. Um de nossos dirigentes sugeriu precisarmos saber a aparência do resto das populações do planeta e quanto deles poderiam chegar a nossa região. Era iminente nos preparar para a defesa da nossa raça. Não éramos mais humanos, e sim, mutantes. Uma raça mais preparada para sobreviver a um planeta praticamente só de água.
Descobrimos sermos únicos. Essa descoberta nos surpreendeu.
A solução foi isolar a nossa região do resto do mundo, simplesmente afundando qualquer embarcação que se aproximasse demais.
Uma nova consciência começou a nascer na população. Por que só nós? Por que vivíamos três vezes mais que os humanos?
Comecei a questionar as divindades. Somos privilegiados? Quando morremos vamos para o mesmo lugar? Os nossos deuses são os mesmos deles? De onde vem a capacidade de um povo alterar sua constituição física? Que poder é esse? De onde vem e como soubemos usar esse poder? Quem sou após a minha morte? Decidi: quando morrer, quero ser uma deusa.
Para mudar, tenho que procurar novos caminhos. Resolvi que ia ser uma deusa. Esse foi o início do meu despertar.
Passei por muitas experiências no planeta até ascensionar; nessa época eu me chamava Charlene. Adotei esse nome.
Fim
Obrigada Charlene. Encantadora a sua vida de mutante.