Nasci em uma ilha de canibais. Eu era um deles, um adolescente.

Matar um javali ou um inimigo era o mesmo, carne para nos alimentar.

Um dia, vimos barcos enormes, com muitas velas se dirigindo para nossa ilha.

Éramos curiosos, também medrosos. Nossos inimigos sempre chegavam de barcos pequenos iguais aos nossos, mas sempre que vinham, era para nos matar.

Ficamos escondidos na mata, prontos para nos defendermos.

Barcos pequenos e cheios de homens estranhos, havia cabelos amarelos, vermelhos e pretos. Tinham barbas longas. Cobriam a cabeça com chapéus como eu nunca vi. Usavam roupas bonitas e na cintura tinham cinturões que penduravam facas compridas (espadas) e algo estranho enfiado na calça (armas de fogo). Era uma arma desconhecida. Usavam brincos e correntes amarelas com medalhões.

Eles desceram, prenderam os barcos para não serem levados pela maré e entraram na mata, carregando uma caixa grande (baú). Um grupo de aproximadamente oito homens (piratas) ficaram na praia tomando conta dos barcos.

Eu os segui. Ouvia o que eles falavam, mas não entendia uma palavra.

Eles escolheram um lugar, cavaram um buraco e enterraram a caixa de madeira e foram embora. Um deles, parecia o chefe, desenhava e riscava algo que eu não conseguia ver. Voltaram pelo mesmo caminho e tive a impressão que o chefe contava os passos, parava e marcava nas árvores. Voltaram para os barcos e foram embora.
Quando os barcos grandes desapareceram no horizonte, eu e meus amigos fomos até o lugar e desenterramos a caixa de madeira e a abrimos.

Foi só brincadeiras. Colocamos as pulseiras, os colares, e todos os enfeites foram distribuídos. Havia pequenos círculos dourados com desenhos de um rosto de um lado e alguma coisa que não sabíamos para que servia. (Eram as moedas). Não nos demos ao trabalho de fechar a caixa.

O tempo passou e os barcos grandes voltaram.

Ficamos escondidos. Os homens chegaram e foram para o lugar da caixa de madeira. Eu os havia seguido e senti que deveríamos ter enterrado de volta a caixa. Era tarde demais, os homens esbravejavam, chutaram a caixa. Cataram as moedas e voltaram para o barco. Deixaram a caixa de madeira.

Pensamos que eles tinham ido embora.

Dormi e sonhei. Vi os barcos circundarem a ilha e desembarcarem do outro lado e vinham muitos, muitos homens, muito mais do que poderíamos enfrentar. Acordei suando e continuei vendo que eles estavam chegando.

Acordei todos e falei da minha visão e o chefe e o feiticeiro deram ordens para que fugíssemos e nos escondêssemos até eles partirem.

Corri muito e me escondi em uma gruta que atravessava a ilha. Muitos da tribo foram para o mesmo lugar. Nos escondemos e fizemos silêncio. Ouvimos trovões, gritos, mas a ordem era ficar escondido.

Quando escureceu, vimos muitas fogueiras acesas. Sabíamos que não era nossa gente e continuamos onde estávamos.

No dia seguinte…

Na caverna tinha água, eu estava com fome e fui caçar, do outro lado da ilha. Peguei alguns pássaros e cautelosamente subi em uma árvore para ver se conseguia avistar os navios. Lá estavam os três. Minha vontade era entrar em um deles e velejar.

Ouvi barulho na mata e vi dois deles indo em direção ao barco grande. Ouvi o que falavam e não entendi nada.

Após eles passarem, desci e voltei para a caverna, sendo cuidadoso para não deixar pistas.

Entrei na caverna e um indígena enorme, enfeitado com muitas penas coloridas e com um machado na mão, fez sinal para eu me esconder. Era uma visão, o indígena desapareceu.

Escondi-me e escutei trovões, gritos e correria. Os piratas entraram na caverna e mataram todos. Esperei que eles fossem embora e fui ver se podia ajudar alguém. Havia muitos mortos, minha gente e deles.

Nossos guerreiros lutaram até a morte. Fiquei olhando para um guerreiro, ele tinha um buraco redondo na testa. Que arma fez aquele furo? Uma mulher apareceu e disse que eles tinham uma arma que explodia como um trovão, saia fogo e fazia furos ao atravessar o corpo.

Procurei se achava a arma do trovão nos defuntos deles, mas nada achei.

Eu, quatro mulheres e dez crianças tinham se escondidos e não foram vistas pelos inimigos. Eu era o único guerreiro.

― Não podemos lutar com eles, continuaremos escondidos. Dividi minhas caças com eles, comemos crua. Sairemos daqui e nos esconderemos do outro lado.

Eles obedeceram sem questionar, agora eu era o chefe.

― Temos que queimar os corpos dos mortos. ― disse uma das mulheres.

― Não. Se fizermos isso agora, vão nos caçar.

Fui novamente ver se conseguia caçar e ver se os barcos grandes continuavam lá. Os barcos grandes partiram. Para ter certeza de que eles não desembarcariam em outro lado, dei a volta na ilha toda.

Voltei para a caverna e dei a notícia.

Voltamos para a aldeia e ela não existia mais, foi queimada. O cheiro dos mortos estava insuportável e não dava mais para serem carregados. Resolvemos queimá-los onde estavam. Fizemos isso e após frios recolhemos suas cinzas e fizemos o nosso ritual e jogamos as cinzas no mar.

Tentei me comunicar com o indígena que me avisou dos ataques, mas ele não me ouviu.

Eu queria saber e se ele havia levado o nosso povo e para onde.

A visão, por duas vezes, foi o meu despertar.

Algum tempo depois, velhos inimigos invadiram a ilha e fomos massacrados.

Fim

― Havia mais tribos ou grupos da mesma etnia em outras ilhas?

― Nunca tivemos contato com nenhuma tribo com as nossas características físicas. Não tínhamos pelos no rosto. Nossa pele era branca, queimada pelo sol, cabelos negros, lisos e grossos, olhos negros, altos, esguios e fortes. Éramos bonitos.

― Então foi uma extinção?

― Sim. Fomos os últimos dessa etnia.

― Obrigada, João.

Conheça mais sobre quem contou uma de suas vidas.

João

Representante do comandante da nave

O nosso convidado de hoje é João, um anjo azul.

― Com que você trabalha, João?
― Trabalho na nave do comandante El Morya Khan.

― O que você faz?
― Sou um representante, um diplomata, um cargo como secretário que agenda, visita e resolve vários compromissos do comandante. Por exemplo, vim programar um lugar na fila para ele contar o despertar dele.

Ri.
― A ideia de contar o despertar dos anjos azuis foi sugestão do mestre El Morya Khan em uma de minhas meditações. Ele não precisa agendar para falar comigo. Estou sempre disponível para recebê-lo, a qualquer hora e dia. A presença dele é uma honra para mim.

― Ele sabe que é bem recebido a qualquer momento, mas se foi formado uma agenda para os voluntários e os convidados, ele seguirá o programado.

― Como você chegou aqui, João?
― Sou um anjo azul e voluntário.

― Obrigada. Como posso representá-lo?
― Todos que servem na nave têm um uniforme. Pode me representar com uniforme ou como um anjo azul. Adotei a representação de uma vida em que fui cientista e a humanidade deu um grande salto.

Visitei dimensões mais elevadas e assisti às imagens sendo passadas em telas. Fiquei deslumbrado com o meu sonho.

Amadureci a ideia e juntei-me a dois amigos que acreditaram no meu sonho e conseguimos por meio de desenhos e fotos movimentar a imagem.

Tudo muito rudimentar, mas foi o começo.

Não consegui verba para levar adiante essa descoberta, mas isso foi ficando conhecido.

Deixei meus estudos, pesquisas e experiências e cinco décadas após a minha morte, o cinema foi inventado.

― Como era o seu aspecto físico?
― Alto, magro, cabelos avermelhados compridos, pele clara e sardenta.

― Quando tem que se apresentar a humanos, como aparenta? Tem asas?
― Raramente me apresento a humanos, mas sempre de uniforme e sem asas. Quando sou chamado para algum evento angelical, uso a vestimenta de anjo e obrigatoriamente as asas.

― Como é seu uniforme?
― Branco, com azul. Nossa tecnologia é colocada como botons ou ornamentos.

― Sua representação é de um homem bonito?
― Agradável, eu diria. Não temos corpos físicos e podemos moldá-los conforme a ocasião pede. Como somos amante da beleza e da perfeição, não moldamos nada grotesco ou malfeito. Não existem anjos feios.

― Obrigada, João.

― Minha experiência: “O baú e a arma do trovão”.