Eu, Isaías, era um centurião romano. Recebi a incumbência de conquistar um povoado e incluí-lo como uma nova cidade romana. Levei uma centúria de soldados, marceneiros, encanadores, ferreiros e famílias com seus pertences para se instalarem na nova cidade. Levaríamos meses até alcançarmos nosso objetivo.
Pelo mapa que eu tinha, a região era acidentada e de difícil acesso. Precisava de um guia ou perderia muitos dias andando a esmo. Contratei dois guias da região. Seguimos em frente.
Algum tempo depois, chamei Marcel, o optio (minha ordenança). Tinha certeza de que fora traído e a qualquer hora seríamos atacados.
― Onde estão os batedores? Está vendo aquela montanha, não entraremos nela. Sinto que seremos tocaiados. Prenda os guias e os faça falarem.
― Nenhum batedor voltou, centurião Isaías. Estou cumprindo suas ordens.
Os guias foram presos, torturados e me disseram onde seríamos tocaiados.
― Posso matá-los, centurião.
― Não. Eles estão morrendo, não precisam de ajuda.
Eu conhecia aquela região, já havia passado por ela. Procurei nos meus mapas e encontrei. Estudei como tirá-los do lugar privilegiado em que se encontravam. Chamei os arqueiros e mostrei a eles como incendiar a montanha.
Os arqueiros saíram à noite para cumprirem as minhas ordens. Os dois batalhões que ficaram, eu os dividi em grupos e expliquei a eles como receberíamos os atrevidos que ousaram armar uma cilada para nós, os poderosos de Roma.
Quando o dia começou a clarear, os arqueiros voltaram e ocuparam suas posições.
Seguimos em frente, como cordeiros desprotegidos. Um grupo nos atacou, matamos mais da metade enquanto os que fugiam iam exatamente para onde queríamos. Os arqueiros se posicionaram e lançaram suas flechas incendiárias.
Em poucos minutos o incêndio começou. Eles não tinham para onde fugir e começaram a descer e se prepararam para o confronto.
A vitória foi rápida.
Os sobreviventes foram presos, levados para serem sacrificados. Os soldados se divertiam em torturá-los.
Cada grito deles me incomodava. Eles eram selvagens. Nós levávamos a civilização a eles. Por que eles não entendiam isso? Tinham que se unir a nós, não nos enfrentar.
Depois dos soldados comemorarem a vitória e descansarem, dei ordem para continuarmos a marcha.
Chegaríamos ao povoado deles e esperava que algum representante viesse a mim e nos recebesse como os donos da terra.
O povoado estava em chamas e vazio.
― Nada, centurião. Não houve ataque. Eles fugiram, levando tudo que puderam, não deixaram nada para nós. Vamos atrás deles?
― Não. Viemos conquistar a terra, ela é nossa.
No dia seguinte, dois soldados começaram a brigar e se agarraram.
― O que está acontecendo aqui? ― perguntei.
― Toda ração que recebi desapareceu. Só ele entrou aqui.
― Eu não peguei nada. Não preciso da sua ração.
― Parem! Houve vários roubos no acampamento. Sumiram cobertas, ração, armas, até um escudo. ― disse Marcel.
Só ouvi. Entrei para minha tenda e tentei entender. Será que todos haviam fugido?
― Marcel! Encerre as discussões. Mande que organizem suas coisas e vejam o que mais está faltando. Tive um pressentimento. ― falei.
Marcel falou com todos no acampamento. Não foi um ladrão, foram muitos e ninguém percebeu a entrada deles.
Reuni a centúria e ordenei: quero guardas dia e noite. Só roubaram, eu cortaria a garganta de cada incompetente. Batedores, vejam se vieram pelo rio.
Entrei na minha tenda e levei um susto. Uma moça linda, vestida como uma princesa, me aguardava. Tudo que havia sido roubado estava amontoado lá.
― Salve, centurião Isaías! Meus batedores se divertiram, tirando coisas do acampamento. Está tudo aqui, foi uma brincadeira e também uma demonstração de que não queremos guerra.
― Como entrou aqui? ― perguntei assustado.
― Esperei que fosse falar com seus homens e nos escondemos aqui dentro. ― sorriu um lindo sorriso.
Meu coração disparou. Eu nunca tinha vista uma mulher tão linda, suave e bem-humorada. Realmente ela não conhecia o perigo.
― Não gostei da brincadeira, nos fez de tolos.
― Podíamos ter decapitado um terço dos seus homens. Já que somos excelentes estrategistas, podemos falar em paz?
Marcel entrou e mandei que ficasse e se sentasse.
― Quem comandou aqueles homens na montanha?
― Os anciões. Eu preveni que era tolice, eles seriam massacrados. Aquela montanha nunca nos protegeu de nada.
― Roubar foi uma estratégia boa? ― perguntei.
― Foi. Não roubamos. Entramos em todas as tendas e tiramos alguma coisa que comprovasse a nossa presença.
― Vocês destruíram a cidade de vocês, o que querem? ― perguntei?
― Uma nova Roma. ― respondeu a princesa.
― Como é seu nome? Quem você representa?
― Sou Joana, líder de meu povo. Vocês mataram nossos anciões.
Olhei espantado para ela.
Eles discordaram de mim, então eu os desafiei a morrerem com seus comandados. Eles não tiveram opção, confiavam totalmente no plano infantil deles.
Eu me apaixonei por Joana. Assinamos um tratado de paz. Construímos a cidade como ela sonhava.
Ela não me deu filhos e começou a procurar um peregrino que fazia milagres. Se tornou cristã e eu a ouvia, mas não estava disposto a perder minha vida por ninguém. Continuaria com os meus deuses. Joana foi presa em uma dessas reuniões e iria morrer na arena.
Pensei que com o meu cargo e a minha posição seria ouvido por César e o procurei. Ele me acusou de traição e me condenou a decapitação. A execução foi imediata, fui decapitado. Joana morreu na arena.
Nessa vida, eu não me dei conta, mas eu acreditava em cada palavra que ouvi de Joana.
Foi a vida do meu despertar.
Fim
Obrigada Ismael.