Meu Encontro com Iara, a Sereia

Nasci em uma tribo africana. Tinha pouco mais de cinco anos quando ouvi gritos. Minha mãe disse para mim e meus irmãos:
― Corram, escondam-se e não procurem por mim. Fujam!

Vera, minha irmã mais velha, pegou na minha mão e corremos. Não fomos muito longe, uma rede caiu sobre nós e ficamos presas feito peixes.

― Mira, não tenha medo, você é muito pequena e eles não a maltratarão, disse minha irmã. Seja obediente. Se formos separadas, não me procure, seja valente e viva a sua vida.

Todos foram acorrentados, menos as crianças que ficaram sentados no chão. Éramos prisioneiros. Os escravagistas desenharam um círculo no chão, disseram que quem saísse do círculo que eles desenharam, seria morto imediatamente.

Um menino ao ver sua mãe correu em direção a ela, e assim que ultrapassou o limite desenhado por eles, foi morto. Senti muito medo de morrer, mas hoje eu faria o que menino fez, me libertaria. Vi então Vera ser levada para uma choupana e chorei. Estávamos tão próximas, mas não ficamos juntas.

Anoiteceu e continuamos no mesmo lugar. Vera deveria estar amarrada na choupana.

Adormeci. Acordei com gritos, gemidos e risadas.

― Vamos, negros! Temos um bom caminho pela frente. ― gritou um mulato fedido. Ela tinha muito sangue seco na roupa. Sangue fede.

Fiquei olhando para ver se Vera vinha conosco, mas levei uma chicotada e uma voz me alertou:
― Siga os seus amigos. A próxima vez que não obedecer, será açoitada até sangrar. Entendeu!

― Fiz sinal com a cabeça que sim, mas o mulato malcheiroso me puxou pelos cabelos e disse:
― Sim, senhor! Eu entendi. Repita e bem alto.

― Sim, senhor! Eu entendi. ― gritei o mais alto que consegui.

Ele me jogou longe, virou as costas e mostrou a direção na qual o cordão humano de prisioneiros deveria seguir.

Andamos por muito tempo e minha garganta estava seca. Passamos por um rio, mas eles não nos deixaram beber água. Ficamos no alto do morro e só alguns deles foram pegar água. Ouvimos gritos e descobrimos a razão. O rio estava cheio de crocodilos e um dos escravagistas fora mordido por um deles.

Cada um recebeu uma caneca de água e continuamos andando. Pensei em fugir e voltar para casa. Vera ficara na choupana e minha mãe talvez tivesse fugido. Enquanto eu pensava, alguém que tivera a mesma ideia saiu correndo e recebeu um tiro nas costas. Era uma menina de uns doze anos. Ela foi arrastada pelo mulato e espancada até morrer. Fomos embora e seu corpo ficou caído lá ainda sangrando.

Ninguém disse uma palavra, vi lágrimas em muitos rostos. Eu decidi viver como Vera mandara, seria obediente.

Fomos colocados em um navio negreiro. As crianças pequenas foram amarradas com cordas pelos calcanhares e ficamos no convés. Comíamos uma vez por dia e ganhávamos água quando o mulato fedido resolvia. Um ódio foi crescendo dentro de mim, sem perceber, eu matava aquele homem de todos os modos mais brutais que eu conseguia imaginar.

Levamos meses para chegar a uma terra firme. Imaginei que seria fácil viver a partir daquele dia, pois agora eu teria mais opções de fuga.

Ficamos trancados em um abrigo por dois dias até sermos levados a uma praça para sermos vendidos.

Eu, um menino e um grupo de mulheres fomos comprados por um fazendeiro.

Apanhei dele assim que perguntei para onde íamos. Então ele disse rispidamente:
― Não fale com um branco! Só responda o que lhe for perguntado.

Agora eu odiava duas pessoas.

Ganhamos comida e água. Fomos colocados em um carro de boi e por oito dias seguimos uma trilha. Era só plantação. Eu não sabia do quê e não perguntaria para não apanhar de novo. O tapa que levei na cara me queimava toda vez que olhava para o fazendeiro. Se pensamentos matassem, ele já teria tido mil mortes.

Quando fiz treze anos, foi dada para o negro reprodutor. Ele nem me olhou, mas disse:
― Negrinha, seja inteligente. Ficará comigo até engravidar. Não quero seu filho, o patrão quer mais escravos e seu filho será mais um. É assim que funciona. Faço filhos o dia inteiro e preciso comer bem e descansar para produzir bem. Se criar problema ou ficar com chiliques, eu mando colocá-la no tronco e açoitá-la para que me obedeça. Deite-se aí e faça o que eu mandar.

João, o negro reprodutor era delicado e não me machucou. Fiquei fechada no quarto dele por cinco dias e depois voltei para a cozinha. Eu era cozinheira, gostava de fazer doces. Minha sinhá adorava minhas sobremesas e mandou me buscar.

― Você está bem, Mira? Aquele negro te machucou? ― perguntou Sinhá Soninha.

― Não, sinhá. Ele é gentil.

Tive um filho homem e vi a satisfação no rosto do fazendeiro.

Meu filho não era saudável e morreu antes de fazer três meses.

Estranhamente eu não me importei. Antes de enterrá-lo, eu disse baixinho para ele.

― Você está livre! Vá em paz, meu filho.

Um tempo depois fui mandada de volta ao quarto do reprodutor que me disse:
― Mira, eu nunca tive um filho doente. Por que você não cuidou direito da criança?

― Eu cuidei. Fiz tudo que eu pude para salvá-lo. O feiticeiro me disse que ele é uma alma livre e foi embora.

Tive outro filho, que nasceu antes do tempo e também faleceu. O fazendeiro falou que eu tinha sangue ruim e não deveria parir outra vez.

Ao me despedir da criança, eu disse:
― Você está livre! Vá em paz!

Fui ao feiticeiro e ele me explicou que quando o espírito é livre, ele não aceita a escravidão e vai embora.

― De onde esse espírito veio e para onde ele vai? ― perguntei.

O feiticeiro me olhou espantado.

― Ele está do outro lado do véu da nossa ignorância. Por isso não o sentimos, vemos ou escutamos seus cânticos.

Pensativa agradeci ao feiticeiro.

As palavras do feiticeiro não saiam da minha cabeça. Se os feiticeiros conseguem sentir, ver, escutar e repetir os seus cânticos com os espíritos, serei uma feiticeira, decidi.

Diariamente eu levantava antes do amanhecer, ia para a beira do riacho e conversava com os espíritos:
― Vocês podem me ouvir? Com eu posso vê-los? Cantem comigo.

Por dois anos, segui esse ritual. Nenhum espírito me ouvia e se ouvia, não queria falar comigo.

Um dia, cheguei à beira do riacho e vi uma mulher vestida de branco, pegando água com um odre. Sorri para ela e perguntei:
― Bom dia! É nova aqui? Nunca a vi. Você é linda!

― Não! Moro aqui desde que o rio nasceu. Meu nome é Iara. ― respondeu ela.

Eu sorri e disse:
― Esse rio já estava aqui, antes mesmo do homem branco escravizar os negros. ― respondi.

Iara sorriu para mim, entrou na água e desapareceu.

Fiquei em estado de choque. Não gritei, chamei ou emiti qualquer som.

Fui até o feiticeiro e contei tudo o que havia acontecido. Ele disse:
― Você foi visitada por um espírito da água, ela é uma sereia. Nunca apareceu para mim. Você não deveria duvidar dela.

No dia seguinte fiz o meu ritual, mas Iara não apareceu. Preocupada disse:
― Iara, se a ofendi com a minha ignorância, eu lhe peço perdão. Pode me dizer onde você e todos os espíritos moram?

Não tive resposta.

À noite, sonhei com Iara.

― Eu e todos os espíritos vivemos em um mundo paralelo onde os véus da ignorância nos escondem.

Acordei e tive a sensação de que Iara estava ao meu lado respondendo as minhas perguntas.

Refleti muito sobre isso. Falei com Sinhá Soninha e ela me mandou ficar de boca fechada ou o pai dela me mataria. Ele tinha medo dos espíritos.

Iara vinha conversar comigo e então entendi que somente um véu nos separava, uma tênue divisão entre os vivos e os espíritos.

O fazendeiro ficou sabendo que eu falava com os espíritos e mandou o capataz me matar. Ele me pegou no rio e enfiou a minha cabeça na água e enquanto em me debatia tentando respirar, vi Iara chegar, estender a mão para mim e me puxar. Fui com ela e olhei para trás, meu corpo afundava na água.

― Eu morri? Perguntei assustada.

― Sim. Você fez a passagem através dos véus. Mudou de dimensão. Bem-vinda a imortalidade. Os espíritos são imortais.

Nessa vida procurei pelas respostas sobre os véus da minha ignorância, como me ensinou o feiticeiro. Foi a vida do meu despertar.

Fim

Obrigada, Maria de Fátima, sua experiência foi muito triste.

Conheça mais sobre quem contou uma de suas vidas.

Maria de Fátima.

Resgate de almas prontas para a ascensão.

Quem é nosso convidado?
― Meu nome é Maria de Fátima.

― Com quem você trabalha?
― Trabalho com a arcangelina Maria. Vocês conhecem como corrente das Marias.

― Você é um anjo verde?
― Sou um ser ascensionado com a chama verde. Não faço parte dos anjos verdes, essa é uma posição privilegiada que precisa de muita prática e vontade.

― Qual a sua função?
― Resgatar os espíritos que ainda têm chance de fazer a transição para a quinta dimensão. Muitos estão deixando seus corpos e nós os resgatamos e os acordamos para que se lembrem de quem são e entrem na energia da ascensão.

― Onde estão ou ficam esses espíritos?
― Existe uma colônia para onde eles são levados, tratados e recuperados quando permitem.

― Todos aceitam esse lugar e entendem a situação pela qual estão passando?
― Não. Alguns não aceitam e exigem que suas crenças sejam respeitadas e pedem para sair de lá.

― O que acontece então?
― A vontade deles prevalece. Adiam a sua ascensão para outra ocasião, quando estiverem realmente preparados.

― Vocês ficam decepcionadas quando isso acontece?
― Não. Tudo está como deve ser. Não era a hora deles e eles seguirão para outras moradas conforme suas crenças.

― Como posso representá-la?
― Uma mulher, linda como todas as que você criou, cabelos pretos, longos, olhos castanhos, rosto harmônico, pele linda. Uso vestes confortáveis, escolha a que achar mais bonita, desde uma túnica a um vestido a rigor. Gosto de joias, e as usamos para nossa tecnologia. Há uma inteligência artificial que elabora objetos em formas de joias para nos locomovermos, nos defendermos de energias que não nos interessam, curar pessoas e lugares, e manter a autossustentação da energia da luz verde.

Obrigada pelas informações.

Minha experiência: Meu Encontro com Iara, a Sereia.