Sempre aos domingos, a minha família se reunia na casa de minha avó Neide. Meu avô Getúlio fazia questão de que os filhos, noras, netos e netas comparecessem.
Eu tinha cinco anos e me divertia nesses encontros com as brincadeiras com os primos. Meu nome era Eulália.
― Eulália, pare de comer balas ou não terá fome quando o almoço for servido, falou papai. Meu pai chamava-se Pedro.
― Deixe a menina, o almoço demora. Sabe muito bem que sua mãe tem a mania de servir o almoço às três horas da tarde e nós estamos acostumados a comer ao meio-dia. ― falou mamãe. Minha mãe chamava-se Luzia.
Papai não respondeu, continuou a ler o jornal.
― Mamãe, por que a vovó Dirce e o vovô Dirceu não vêm almoçar também?
― Minha mãe e meu pai preferem almoçar na casa dos filhos, cada domingo na casa de um. Só em casa que eles vão ao sábado.
― Vá para a cozinha auxiliar a minha mãe, por favor, ela reclama quando alguma das mulheres não ajuda. ― implorou meu pai.
― Vou para a cozinha, mas não ajudarei em nada. Estou aqui obrigada. ― saiu mamãe irritada.
Fui junto.
Percebi que mamãe e papai estavam estranhos um com o outro.
― Vovó Neide, precisa de ajuda? Sei secar as colheres e os garfos, as facas a mamãe não deixa.
― Não, querida, obrigada, você é um amor. Vá brincar, as mulheres adultas dão conta do recado.
Mamãe sentou-se ao lado da tia Esmeralda, conversavam e riam muito.
À tarde fomos embora, pois meu pai se sentia muito cansado. Minha mãe resmungou, pois era dia de irmos ao cinema.
Eu sempre dormia a tarde. Mamãe estava irritada com papai e ficou comigo, no meu quarto. Deitou-se ao meu lado.
Papai foi para a cama dele, deitou-se e adormeceu.
― Mamãe, por que está brava com papai?
― Estou cansada dessa vida. Só a vontade dele prevalece, ele nunca faz o que eu quero. Está fingindo um cansaço só por que eu pedi para ir ao cinema e esperei a semana toda. Domingo estarei doente e não irei à casa de dona Neide. Não levantarei da cama. ― resmungou mamãe.
Mamãe adormeceu e eu também.
Vi meu pai entrar no meu quarto e dizer:
― Perdão, Luzia. Eu não a levei ao cinema por pirraça, sinto muito. Você é o amor da minha vida. Adeus querida.
Olhou para mim e disse:
― Adeus filha. Seja uma menina obediente e gentil com sua mãe. Eu te amo.
Vi meu pai virar as costas e sair do quarto. Sentei na cama, eu não estava dormindo, não era sonho.
― Papai, onde o senhor vai? Por que está se despedindo? Papai?
Mamãe acordou.
― Calma! Por que está gritando? Seu pai está no quarto aqui ao lado, vá lá e o acorde.
― Ele não está lá. Ele foi embora e se despediu de nós. — comecei a chorar.
― Calma, Eulália! Você sonhou, querida. Se seu pai saiu, ele foi à padaria e já volta.
― Não! Ele foi embora! Ele me deu adeus. ― insisti.
Mamãe se levantou.
― Venha, vamos acordar seu pai.
Papai estava deitado e mamãe o chacoalhou.
― Acorda! Sua filha acha que você foi embora. Acorda! Ele está gelado. Pedro! Pedro! Acorda!
Mamãe saiu gritando e pediu para o vizinho correr e trazer o médico.
Meu pai havia tido um infarto fulminante.
Após o enterro, minha mãe não quis ficar na casa. Minha avó Dirce nos chamou para ficarmos com ela.
Mamãe vendeu a casa onde papai morreu e comprou outra. Nunca tocou no assunto de eu saber que papai havia se despedido de nós.
Isso nunca saiu da minha cabeça e comecei a me questionar. Se meu pai estava morto, como ele foi ao meu quarto?
Uma vez tentei conversar com minha mãe e ela encerrou o assunto:
― Mortos não falam com os vivos. Esqueça isso ou acabará num manicômio. Você teve uma alucinação.
Esse assunto proibido foi o meu despertar. Estudei todos os fenômenos paranormais e sempre que rezava eu pedia:
― Papai, não apareça e nem fale comigo: eu tenho medo de fantasma.
Fim
Obrigada Samanta.