Meus pais eram muito religiosos. Meu nome veio de uma santa da época.

Morava em um vilarejo antigo, onde as pessoas nasciam, cresciam, trabalhavam, formavam uma família, iam à igreja rezar, sem saberem exatamente por quê. Morriam e eram enterradas, sem nunca terem saído da Vila.

Eu nem gostava de rezar, mas adorava ir à igreja. Era dia de colocar minha melhor roupa e desfilar meus lindos vestidos. Minha mãe era costureira e caprichava nas minhas roupas.

Sem dúvida alguma, eu era a menina mais elegante e bem vestida da vila.

Aprendi a profissão de costureira. Eu queria morar em uma cidade grande e comecei a convencer meus pais para nos mudarmos para um lugar novo.

Meu pai disse estar velho para uma aventura dessas. Eu que casasse e fosse para a cidade grande com meu marido.

Casar? Naquela vila só tinha pobres, homens feios e sem educação.

Veio a 1ª guerra mundial.

Morávamos muito longe de tudo. Isso foi a melhor coisa que tínhamos. Éramos esquecidos do mundo, mesmo assim fomos abalados com as consequências da guerra.

Os homens e rapazes tiveram que se alistar no exército e foram para a guerra. Muitos não voltaram.

Nunca fomos alcançados por bombas e nem visitados por exército amigo ou inimigo. Eles eram a praga, quando passavam levavam tudo, deixando a população sem alimentos e agasalhos.

A Europa conheceu a fome, mas nossa vila se manteve próspera. Nossas galinhas nos provinham de ovos, nossas vacas com leite, nossas hortas sempre verdes, e nosso pomar sempre frutificando. A guerra acabou. Fomos privilegiados e em uma reunião de domingo o padre disse:

― Fomos abençoados, passamos por uma guerra, nosso solo não se manchou de sangue, vivemos como sempre, na fé e na inocência. Nossas orações foram atendidas. Nossos homens e jovens representaram nossa vila com coragem e fé. Perdemos alguns deles. Agradeçamos a cada um deles. Mesmo não voltando, eles nos salvaram, deram suas vidas e ganhamos a guerra. Oremos.

Pela primeira vez orei com vontade. Agradeci a benção da paz. Agradeci por morar em uma vila pacata, passei a amá-la. Lembrei dos meus amigos de infância que morreram, defendendo o nosso país.

Mentalmente fui agradecendo e sem perceber, cada vez que eu pensava em um, ele aparecia sorrindo para mim e agradecia. Achei que era minha imaginação, pois eu estava muito emocionada.

No dia seguinte, fui a igreja rezar novamente. Eu havia esquecido de agradecer a Pedro, meu vizinho que também não voltou:

― Pedro, me desculpe, eu não falei o seu nome ontem, mas saiba que você faz falta. Sem você e sua risada alta e gostosa, os encontros ficaram muito silenciosos. Um grande abraço, esteja onde estiver.
Pedro apareceu para mim e disse:

― Eu estava perdido, obrigado por me chamar. Voltei e já sei para onde ir. Eu sempre soube que você era um anjo.

Não sei quanto tempo fiquei paralisada. Vi e ouvi cada um dos meus amigos.

Não me atrevi a contar a ninguém, nem mesmo em confissão.

A partir desse dia, toda vez que orava, eu me emocionava. Comecei a questionar para onde foram meus amigos. Eles morreram em uma guerra e estavam felizes? Como faço para ser um anjo?

A certeza de que a vida não acaba com a morte me fez refletir e escolher para onde eu queria ir. Eu seria ser um anjo.

Casei-me, tive dois filhos, lindos e muito amados.

Esse foi o meu despertar.

Fim

Obrigada, Maria de Lourdes.

Conheça mais sobre quem contou uma de suas vidas.

Maria de Lourdes

Anjo da Chama Verde

― Qual é o seu nome:
― Maria de Lourdes.

― Para quem você trabalha?
― Para a Federação Galáctica que comanda o Planeta Terra.

― Com quem?
― Com Maria, Arcangelina da Chama Verde.

― Qual a sua função?
― Ajudante. Estou há pouco tempo na corrente dos Anjos Verdes. Ajudo no recolhimento dos espíritos, que estão perdidos, nos campos de guerra.

― Então você é um anjo?
― Sim.

― Você tem asas?
― Sim. Eu sempre quis ser um anjo de asas grandes e lindas.

― Por que você veio me contar uma de suas vidas?
― A pedido de Maria, a minha instrutora.

― Obrigada, Maria de Lourdes.
― Como você se apresenta a um vidente?

― Como um anjo, de asas grandes, vestida de verde. Todo anjo é lindo.
― Carrega algo nas mãos? É um lampião, ou uma tocha?

― É um lampião para orientar os que estão na escuridão. Eles chegam até mim e me acompanham.

― Que simbologia uso para representá-la? Pode ser um anjo verde, lindo, com um lampião na mão?

― Perfeito. Nunca ninguém me desenhou, sei que gostarei.

― Obrigada, Maria de Lourdes.

Minha experiência: “Uma cidade pacata”.