Numa região montanhosa, linda e pacata, eu nasci. Meus pais me chamaram de John.
Billy era o nome de meu pai e Evelyn o nome de minha mãe, eles eram criadores de ovelhas. Tive mais oito irmãos.
Nessa época, a América tinha muitas terras desabitadas e eram raros novos moradores. Não usávamos cercas em nossas propriedades e as ovelhas pastavam à vontade.
Nosso povoado era pequeno.
Na minha adolescência, eu pastoreava o rebanho e tinha por hábito sentar em uma pedra e apreciar a paisagem durante horas. Ficava em silêncio total e prestava a atenção no som do vento, das folhas, do pisar das ovelhas e dos cães que me ajudavam a agrupar o rebanho. Com o tempo eu distinguia os barulhos dos sons feitos pelo cão, pela ovelha, por uma mosca ou por uma abelha.
Esse ritual foi expandindo minha consciência e comecei a ouvir os sons do meu corpo. O batimento do meu coração, do sangue circulando por minhas veias.
Um dia, eu senti como se estivesse flutuando, entrando em uma realidade desconhecida. A impressão de que eu subia sustentado por uma luz dourada me tirou do transe. Abri os olhos e tive a sensação de que eu estava expandido, muito maior que o meu corpo. Comecei a mexer minhas mãos e braços e lentamente voltei ao normal. Levei o resto do dia tentando entender o que havia acontecido.
No dia seguinte o mesmo se repetiu.
No terceiro dia, quando me senti subindo, perguntei:
― Estou sonhando?
Não tive resposta, mas voltei para meu corpo.
Pensei: o que acontece comigo é um fenômeno espiritual. Por que o espírito não respondeu minha pergunta? Tentarei novamente.
E assim fiz por muitos meses.
Um dia, sentei para fazer o meu ritual do silêncio e vi uma miragem: homens armados matavam as ovelhas e nos expulsavam de nossas terras.
A sensação foi de dor, angústia e medo. Não era pesadelo, eu estava acordado e lúcido. Fiquei em pé e olhei todo o horizonte. Não havia nada ali. Prestei atenção nos barulhos e não ouvi nenhum som estranho.
Na hora do jantar contei o que eu vi a meus pais e irmãos.
Meu pai ficou em silêncio e minha mãe se assustou:
― O que faremos? Precisamos de nossas ovelhas.
― Eles querem que cerquemos nossas terras e não deixemos nossas ovelhas pastarem à vontade. Talvez seja melhor entrarmos em acordo. Nem sabemos usar armas. Não quero matar ninguém. ― falou meu pai.
― Pode explicar o que disse papai? Quem são esses homens? ― perguntei surpreso.
― São fazendeiros e acusam nossas ovelhas de acabarem com os pastos. Estão ameaçando nos expulsar daqui. Os criadores de ovelhas se recusam a colocarem cercas, mas eu as colocarei, ou isso acabará em uma guerra. Eu não quero pegar em armas para matar os novos vizinhos. ― disse meu pai.
Eu não sabia o que dizer. Antes de dormir, conversei com meu anjo da guarda: já que me mostrou o que vai acontecer, pode me mostrar como evitar a matança das minhas ovelhas?
Eu sabia que não teria respostas, mas poderia ter outra visão.
No dia seguinte fiz o meu ritual do silêncio. Entrei em transe e me vi com meu pai e irmãos cercando nossas terras. Contei isso durante o jantar e meu pai sorriu.
― É isso que faremos, começaremos amanhã.
Os outros criadores de ovelhas acabaram concordando, mas exigiram que os criadores de gado também cercassem suas terras e não invadissem as terras que ficavam de reservas para pasto no inverno. Isso não impediu um conflito armado entre pastores e vaqueiros. Nossas terras eram no alto da montanha e ficou fora da briga.
O verdadeiro motivo foi a inimizade entre duas famílias que se enfrentaram e arrastaram com elas toda a região. Só nós não fomos molestados por nenhuma delas. Às vezes, eu achava que éramos invisíveis.
Eu continuava fazendo meus rituais diariamente. Já não tinha medo de deixar meu corpo expandir e ia até uma luz forte e brilhante. Quando eu era atingido pela luz, eu sabia que estava na presença divina e ficava até me sentir como se eu fosse a luz.
Uma tarde, eu sentei para fazer o ritual e vi uma miragem: eu consertava a cerca que as ovelhas derrubaram e vi um brilho dourado, não dei importância. Terminei o conserto da cerca e resolvi ver que brilho era aquele, peguei a pedra e ouvi:
― É ouro, pegue o que puder, pois assim que a notícia se espalhar, nada mais aqui será preservado, matarão vocês e as ovelhas. É hora de procurar novas terras.
Sai do transe e procurei quem falara comigo. Eu estava só. Olhei para o lugar onde vi o brilho dourado e vi uma pedra dourada, eu a peguei e coloquei no bolso.
Na hora do jantar, mostrei a pedra e contei da minha visão.
Meu pai examinou a pedra e disse:
― É uma pepita de ouro. Amanhã iremos cedo para esse lugar e cataremos todas as pepitas. Suas visões são um aviso do que acontecerá se não decidirmos o que fazer.
Por semanas garimpamos aquelas terras. Tínhamos tanto ouro que provavelmente as próximas três gerações não precisariam se preocupar com o próprio sustento.
Compramos terras em outra região e fomos levando aos poucos nossas ovelhas e nosso ouro. Esgotamos a fonte de ouro e nos mudamos.
Alguns meses depois ouve uma corrida de ouro para aquela região. Parecia um formigueiro de homens cavando e procurando por pepitas de ouro.
Continuei fazendo meu ritual diário e fui recebendo ensinamentos da minha Presença Divina.
Nessa vida não ascensionei, pois precisava completar minhas experiências da terceira dimensão. Uma dessas experiências foi contar e ensinar o meu ritual do silêncio aos que cruzaram o meu caminho.
A maioria me considerava um milionário excêntrico, outros, que eu era louco e alguns acreditaram.
Essa foi a vida do meu despertar.
Fim
― Uma vida cheia de paz e harmonia. Maravilhosa. Adorei. Obrigada Amaury.